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quinta-feira, 2 de junho de 2011

UFBA 2006.1

Questões De 1 a 4

Volta e meia, leitores me questionam sobre o que lhes parece ser o
exagerado –– ou pouco razoável –– ceticismo do cientista. As abordagens variam. Algumas vezes, acham inconsistente um cientista se dizer ateu quando não pode responder a certas questões básicas, como, por exemplo, a origem do Universo ou da vida. Dizem eles: “Vocês falam do Big Bang, o evento que iniciou tudo. Mas de onde veio a energia que provocou esse evento? Como falar de algo material surgindo do nada, sem a ação de um ser imaterial, isto é, divino?” Outras críticas dizem respeito à descrença em fenômenos paranormais, sobrenaturais, OVNIs e seres extraterrestres, espiritismo etc.
   Segundo estatísticas recentes feitas pela fundação Gallup nos Estados Unidos,
em torno de 50% dos americanos acreditam em percepção extra-sensorial. Mais de 40% acreditam em possessões demoníacas e casas mal-assombradas, e em torno de 30% crêem em clarividência, fantasmas e astrologia. Não conheço estatísticas semelhantes para o Brasil, mas imagino que os números devam ser no mínimo comparáveis.
   Sem a menor dúvida, a luta do cético é ingrata; ele estará sempre em minoria. Existem muito mais colunas sobre astrologia do que sobre astronomia ou ciência nos jornais e revistas do Brasil e do mundo. Mas, sem ceticismo, a sociedade estaria fadada a ser controlada por indivíduos oportunistas que se alimentam dessa necessidade muito humana de acreditar. Ela existe para todos não há dúvidas. Mesmo o cético deve acreditar no poder da razão para desvendar os muitos mistérios que existem. A paixão que o alimenta é a mesma do crente, mas direcionada em sentido oposto.
   Devido a esse ceticismo, muitas vezes os cientistas (incluindo este que lhes escreve) são acusados de insensibilidade. De jeito nenhum. Eu tenho grande respeito pelos que acreditam. O que me é difícil aceitar é a exploração que existe em torno dessa necessidade, a exploração da fé. Na Índia, por exemplo, recentemente apareceram milhares de “homens-deuses”, que se dizem meio deuses, meio gente. No México, funcionários do governo freqüentam seminários sobre como usar o poder dos anjos. O Peru está cheio de psíquicos, enquanto na França são aromaterapeutas. Testes em laboratório visando verificar poderes extra-sensoriais invariavelmente falham.
                                                                 [...]
   Voltando à questão do Big Bang. A religião não deve existir para tapar os buracos da
nossa ignorância. Isso a desmoraliza. É verdade, não podemos ainda explicar de forma satisfatória a origem do Universo. Existem inúmeras hipóteses, mas nenhuma muito convincente. Mesmo se tivéssemos uma explicação científica, sobraria uma outra questão: o que determinou o conjunto das leis físicas que regem este Universo? Por que não um outro? Existe aqui uma confusão sobre qual é a missão da ciência. Ela não se propõe responder a todas as questões que afligem o ser humano.
A ciência, ou melhor, a descrição científica da natureza, é uma linguagem criada
pelos homens (e mulheres) para interpretar o cosmo em que vivemos. Ela não é absoluta, mas está sempre em transição, gradativamente aprimorada pela validação empírica obtida através de observações.
   A ciência é um processo de descoberta, cuja língua é universal e, ao menos em princípio, profundamente democrática: qualquer pessoa, com qualquer crença religiosa ou afiliação política, de diferentes classes sociais e culturas pode participar desse debate. (Claro, na prática a situação é mais complexa.)
    Ela não terá jamais todas as respostas, pois nem sabemos todas as perguntas.
O cético prefere viver com a dúvida a aceitar respostas que não podem ser comprovadas, que são aceitas apenas pela fé. Para ele, o não saber não gera insegurança, mas sim mais apetite pelo saber. Essa talvez seja a lição mais importante da ciência, nos ensinar a viver com a dúvida, a idolatrá-la. Pois, sem ela, o conhecimento não avança.

GLEISER, Marcelo. O ceticismo do cientista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 mar. 2003. Suplemento MAIS!
p. 18.


Questão 01
Com base na leitura do texto, pode-se concluir que o autor

(01) discorda da visão estereotipada que tem o homem sobre o cientista e se revela um ser voltado para o transcendentalismo.
(02) aborda o equilíbrio entre tendências opostas que tentam explicar os segredos da origem do Universo.
(04) discute a origem do Universo a partir da teoria da explosão do átomo primordial.
(08) rejeita o conhecimento pautado em explicações sobrenaturais, acreditando em uma compreensão do Universo baseada em evidências experimentais.
(16) defende o método analítico de raciocínio cartesiano para explicar o mundo, ao mesmo tempo em que aceita os fenômenos sobrenaturais como de natureza divina.
(32) conclui que a incerteza está na base da natureza humana e nega a teoria de um universo orgânico, perfeito.

Questão 02
São afirmações verdadeiras sobre o texto:

(01) O uso dos travessões isolando a expressão “ou pouco razoável” (l. 2) acentua uma visão preconceituosa dos “leitores” (l. 1).
(02) O segundo parágrafo exemplifica um discurso de linguagem predominantemente polissêmica.
(04) As aspas em “homens-deuses” (l. 25) expressam ironia, enquanto em “Vocês falam do Big Bang [...] isto é, divino?” (l. 4-7) destacam uma outra voz do discurso.
(08) O fragmento “Ela não terá jamais todas as respostas, pois nem sabemos todas as perguntas.” (l. 43) constitui um enunciado cuja segunda parte explica a primeira.
(16) A frase “O cético prefere viver com a dúvida a aceitar respostas que não podem ser comprovadas” (l. 44) é uma declaração em que se manifestam pontos de vista excludentes.
(32) Marcelo Gleiser, ao falar sobre ciência, trata o tema de modo impessoal, sem manifestar o seu ponto de vista.

Questão 03
Sobre as relações morfossintáticas e/ou semânticas que ocorrem no texto do artigo, pode-se afirmar:
(01) “isto é” (l. 7) é uma expressão que pode ser substituída por ou melhor, sem alterar o sentido da frase.
(02) “em torno de” (l. 10) apresenta relação sinonímica com cerca de.
(04) “percepção extra-sensorial” (l. 10) tem relação semântica com “fenômenos paranormais” (l. 7).
(08) “Sem a menor dúvida, a luta do cético é ingrata; ele estará sempre em minoria.” (l. 14) evidencia uma relação de alternância.
(16) “de acreditar” (l. 18) apresenta relação sintática com “se alimentam” (l. 17).
(32) “Mesmo” (l. 18) e “Mesmo” (l. 32) denotam a idéia de concessão.
(64) “ainda”, no fragmento “não podemos ainda explicar de forma satisfatória a origem do Universo.”(l. 30-31) indica intensidade.
Questão 04
“A ciência é um processo de descoberta, cuja língua é universal e, ao menos em
princípio, profundamente democrática: qualquer pessoa, com qualquer crença religiosa
ou afiliação política, de diferentes classes sociais e culturas pode participar desse
debate.” (l. 39-42)

Sobre o fragmento destacado, é correto afirmar:

(01) “cuja língua é universal” pode ser reestruturada em a língua da ciência é universal , sem alteração de sentido.
(02) “ao menos em princípio” relativiza a declaração “profundamente democrática”.
(04) “qualquer pessoa” e “qualquer crença religiosa” são expressões que denotam idéia de especificidade.
(08) “e”, nas duas ocorrências, apresenta equivalência de sentido.
(16) “de diferentes classes sociais e culturas” expressa uma generalização.
(32) “pode participar” exemplifica uma falha de concordância verbal.
(64) “desse debate” encerra uma informação que será esclarecida, posteriormente, no texto.


GABARITO
01       04 + 08 + 32              44
02       04 + 08 + 16              28
03       01 + 02 + 04              07
04       01 + 02 + 08 + 16      27

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