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segunda-feira, 2 de maio de 2011

UEFS 2009.1


A fonte do conceito de autonomia da arte é o
pensamento estético de Kant. Pois é numa formulação
kantiana que está também a origem de um equívoco. É
que Kant fala da apreciação estética como independente
de todo interesse. Isso é comumente interpretado como
se significasse que a apreciação estética fosse
puramente formal, desprezando conteúdo ou significado.
O que o desinteresse e a autonomia realmente
significam, porém, é que aquilo que é objeto de
 apreciação estética não tem, enquanto tal, nenhuma
função prática, moral ou cognitiva. Ora, consideramos
que aquilo que não tem função prática, moral ou cognitiva
simplesmente não serve para nada.
Sendo assim, praticamente tudo o que fazemos
 na vida é o oposto da apreciação estética, pois
praticamente tudo o que fazemos serve para alguma
coisa, ainda que apenas para satisfazer um desejo.
Praticamente nada do que fazemos vale, portanto, por
si. A própria linguagem funciona como um instrumento
 através do qual classificamos, isto é, seccionamos o
mundo em objetos, para melhor conhecê-lo e usá-lo.
Enquanto objeto de apreciação estética, uma coisa
não obedece a essa razão instrumental: enquanto tal,
ela não serve para nada, ela vale por si. Assim são as
 obras de arte tomadas enquanto obras de arte. As
hierarquias que entram em jogo nas coisas que
obedecem à razão instrumental, isto é, nas coisas de
que nos servimos, não entram em jogo nas obras de
arte tomadas enquanto tais.
 Um retrato numa carteira de identidade serve para
identificar seu portador. Um retrato feito por artista, como
Manet, por exemplo, jamais tem esse sentido.
A identidade do retratado pode até ter alguma relevância,
mas não mais do que as demais figuras, o fundo, a luz,
 a sombra, a composição, os planos, as formas, as linhas,
as cores, o tom do quadro, a maneira de todas essas
coisas se relacionarem etc. A matéria (tela e tinta) não é
menos importante do que as formas; estas não são
menos importantes do que o motivo; este não é menos
 importante do que a identidade do retratado etc. Tudo é
relevante; e nenhuma coisa é automaticamente mais
relevante que outra. É sem nenhum fim ulterior que a
obra de arte mobiliza de maneiras surpreendentes as
nossas faculdades, o nosso intelecto, a nossa
 imaginação e sensibilidade.
Tudo — matérias, formas, significantes,
significados —, tudo é relevante para a apreciação de
uma obra de arte. Ao ler um poema de Brecht, por
exemplo, não ponho entre parênteses a política, tal como
 nele se manifesta; entretanto a política se converte em
apenas um dos elementos através dos quais o julgo: e
ela é mediatizada por todos os demais elementos da
obra, que, por sua vez, são por ela mediatizados. É nisso
que consiste a apreciação estética de uma obra. Isso
 nada tem a ver com o formalismo ou o esteticismo, pois,
longe de excluir qualquer conteúdo social, inclui todos
eles.
CÍCERO, Antônio. A autonomia da arte. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11 dez. 2008. Ilustrada, p. E13.
Questão 1
Constitui, no texto, um ponto de vista do enunciador a respeito da arte:
A) A arte possui uma existência frágil, pois não serve como instrumento ideológico.
B) A obra de arte deve ser engendrada por funções sociais e econômicas precisas.
C) O papel da arte deve ser o de distinguir, de valorizar socialmente o seu possuidor.
D) A apreciação de uma obra de arte deve extrapolar seu aspecto puramente formal e enxergá-la num
contexto mais amplo.
E) O objeto artístico deve ser esvaziado de todo significado que não seja a de ser arte, a de ser algo que
mobiliza a sensibilidade humana.


Questão 2
De acordo com o texto,
A) o pensamento de Kant constitui uma inverdade sobre a realidade estética.
B) a fronteira que existe entre um objeto artístico e um não artístico é muito tênue.
C) todos os elementos que entram na composição de uma obra de arte têm o mesmo valor.
D) o valor utilitário da arte é um fato novo e deve ser considerado como vital para o artista.
E) tudo o que o homem produz com uma finalidade pragmática constitui um objeto artístico.


Questão 3
O termo “ainda que” (l.17)  equivale a
A) mesmo ainda.
B) mesmo que.
C) mas ainda.
D) também.
E) porque.

Questão 4
Sobre o segundo parágrafo do texto, está correto o que se afirma em
A) “O que o desinteresse e a autonomia realmente significam, porém, é”, sem alteração de sentido, é o
mesmo que Porém o que o desinteresse e a autonomia realmente significam é.
B) “aquilo que”, em “aquilo que é objeto de apreciação”, constitui um segmento em que as duas palavras
se opõem semanticamente.
C) “de apreciação estética” funciona como um qualificador de “função”.
D) “enquanto tal” introduz no contexto uma idéia de tempo.
E) “nenhuma função prática, moral ou cognitiva” exerce função subjetiva.


Questão 5
No último parágrafo do texto,
A) os termos “Tudo” e “tudo”, no início do parágrafo, totalizam diferentes coisas na frase.
B) a expressão “não ponho entre parênteses” quer dizer desconsidero.
C) a forma pronominal “o”, em “através dos quais o julgo”, substitui o nome “poema”.
D) a oração “inclui todos eles”, na última frase, contempla “formalismo ou esteticismo.”
E) a ideologia de Brecht, tal qual o pensamento de Kant no primeiro parágrafo, é invocada para respaldar
o ponto de vista de Cícero no texto.


GABARITO:
D   C   B   A   C

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