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quinta-feira, 19 de maio de 2011

UFBA 2005.1

Os muitos livros que temos e que envolvem, de maneira descritiva, ensaística ou
ficcional, o território chamado Brasil e o povo chamado brasileiro, sempre serviram a nós de farol (e não de espelho, como quer uma teoria mimética apegada à relação estreita entre realidade e discurso). Com a sua ajuda e facho de luz é que temos caminhado, pois eles iluminam não só a vasta e multifacetada região em que vivemos, como também a nós, habitantes que dela somos, alertando-nos tanto para os acertos quanto os desacertos administrativos, tanto para o sentido do progresso moral quanto para o precipício dos atrasos irremediáveis. São eles que nos instruem no tocante às categorias de análise e interpretação dos valores sociais, políticos, econômicos e estéticos que –– conservadores, liberais ou revolucionários; pessimistas, entreguistas ou ufanistas –– foram, são e serão determinantes da nossa condição no concerto das nações do Ocidente e, mais recentemente, das nações do planeta em vias de globalização.
O interesse mais profundo e direto que esses livros manifestam não é pelo habitante
privilegiado desde a primeira hora. Aquele que, ao se transplantar de lá para cá,
recebeu benesses, ou aquele outro que foi alvo de ato de nomeação para ocupar cargo oficial, auferindo altos proventos e jurando obediência irrestrita à Coroa portuguesa.
Interessam-se, antes e quase que exclusivamente, pelo habitante que, já nascido nestas terras, buscava construir (ou inventar) um pequeno domínio de que seria proprietário exclusivo, sem reconhecer os limites das amarras políticas e fiscais metropolitanas, ou ainda pelo estrangeiro que, ao adotar a nova pátria, queria colonizá-la à sua própria maneira, dela extraindo o que havia de mais rentável para si próprio e para os seus descendentes. Todos eles procuravam se autodefinirem e definir as várias regiões do país em palavras, gestos e ordens de independência (sempre relativa, é claro) com relação aos países europeus e, a partir do século XIX, com relação a todo e qualquer país que questionasse a soberania nacional.
[...]
Temos de acrescentar que são poucos os países do Novo Mundo que podem ostentar
pensadores com esse conhecimento e erudição, livros meditados e escritos com
tanta fibra e coragem, com esse transbordante amor pelo país e os brasileiros, de que
falou José Guilherme Merquior, amor que não se confunde com as declarações apaixonadas, retóricas e inócuas dos aventureiros da primeira e da última hora, expostas em livrecos que buscam agradar os poderosos do momento e os pouco escrupulosos. [...]
Para melhor compreenderem a nação e os cidadãos –– nas suas origens, no seu devir
colonial e, finalmente, soberano –– , nossos pensadores avançam os olhos por todo o
mapa do país, tomam emprestado lunetas para melhor alcançar outras épocas e outras civilizações, com o intento de chamar a atenção para as grandes conquistas que foram feitas desde sempre, pelo mais anônimo dos índios e dos escravos, passando pelos lavradores, faiscadores, trabalhadores, funcionários públicos, profissionais liberais, latifundiários,
capitães de indústria, etc., tornando o país uma das nações mais adiantadas da América Latina, mas também querem acercar-se das causas das injustiças sociais,
combatê-las pelas armas da palavra, saber o porquê de tanta miséria e sofrimento por
parte de um povo, no entanto, trabalhador e sempre disposto a buscar a prosperidade
e o progresso moral seja dos seus, seja da nação. Brasil, o nosso “claro enigma”.

SANTIAGO, Silviano. (Coord.), Intérpretes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. v. I. p. XV- XLVIII.

Questão 01
Do ponto de vista temático, o texto põe em destaque
(01) o papel progressista que exercem os administradores portugueses na configuração da sociedade brasileira.
(02) a importância da produção bibliográfica brasileira na construção do pensamento nacional.
(04) o compromisso social e a qualidade das análises dos pensadores brasileiros.
(08) a condição de miséria e sofrimento do brasileiro como consequência de sua passividade e inoperância.
(16) a contribuição de diferentes segmentos da população na construção da nação brasileira.
(32) a preocupação dos pensadores brasileiros em explicar e combater as injustiças sociais.
(64) a transparência da realidade social tal como analisada pelos pensadores que a têm estudado.

Questão 02
Constituem afirmações verdadeiras sobre o texto:
(01) A expressão “de maneira descritiva, ensaística ou ficcional” (l. 1-2) é uma ressalva que acentua a natureza abrangente da produção bibliográfica nacional que toma o Brasil como tema.
(02) Ao fazer oposição entre “farol” (l. 3), e “espelho” (l. 3), o autor critica o ponto de vista que relaciona, de modo simplista, linguagem e sociedade.
(04) A qualificação “estreita” (l. 3) é um juízo de valor que expressa uma ideia de dimensão.
(08) Nos fragmentos “conservadores, liberais ou revolucionários”(l. 10) e “pessimistas, entreguistas ou ufanistas” (l. 10), “conservadores” se opõe a “revolucionários” assim como “entreguistas” se opõe a “ufanistas”.
(16) A afirmação “foram, são e serão determinantes [...] do Ocidente” (l. 11-12), aplicada a valores sociais, políticos, econômicos e estéticos, acentua o caráter eventual do que se declara.
(32) O enunciado “O interesse mais profundo e direto que esses livros manifestam não é pelo habitante privilegiado desde a primeira hora.”(l. 13-14) encerra simultaneamente uma afirmação e uma negação.
(64) A produção literária brasileira caracteriza-se pela descrição do território nacional.


Questão 03
“Todos eles procuravam se autodefinirem e definir as várias regiões do país em
palavras, gestos e ordens de independência (sempre relativa, é claro) com relação aos países europeus e, a partir do século XIX, com relação a todo e qualquer país que questionasse a soberania nacional.” (l. 22-25).
Em relação ao fragmento transcrito, é correto afirmar:
(01) “Todos eles” recupera anaforicamente “esses livros” (l. 13).
(02) “se autodefinirem e definir” completa o sentido de “procuravam”.
(04) “em palavras, gestos e ordens de independência” traduz uma restrição em relação ao verbo “definir”.
(08) “(sempre relativa, é claro)” é uma avaliação crítica que momentaneamente interrompe um processo declarativo.
(16) “com relação aos países europeus” expressa uma generalização, que é ratificada e ampliada no fragmento “com relação a todo e qualquer país”.
(32) “todo e qualquer” é uma expressão que exemplifica uma incoerência semântica, visto que os vocábulos são antitéticos.
(64) “que questionasse a soberania nacional” amplia o significado de “país”.


Questão 04
Sobre as relações morfossintáticas e/ou semânticas do último parágrafo do texto, pode-se afirmar:
(01) “poucos” (l. 26) quantifica “países” (l. 26), assim como “tanta”(l. 28) intensifica “fibra e coragem” (l. 28).
(02) “Novo Mundo” (l. 26) para “América Latina” (l. 39), bem como “América Latina”    (l. 39) para “Brasil” (l. 42), configuram hiperonímias.
(04) “que” (l. 28), na expressão “de que falou José Guilherme Merquior” (l. 28-29), é um mecanismo de coesão que evita repetir “pensadores com esse conhecimento e erudição, livros meditados e escritos com tanta fibra e coragem” (l. 27-28).
(08) “expostas” (l. 30) está grafada no plural, porque concorda com os antecedentes “da primeira e da última hora” (l. 30).
(16) “que buscam agradar os poderosos do momento e os pouco escrupulosos” (l. 31)
é uma declaração que, no contexto, pode aplicar-se semanticamente tanto a “declarações” (l. 29) e “aventureiros” (l. 30) como a “livrecos” (l. 31).
(32) Em “Para melhor compreenderem a nação e os cidadãos” (l. 32) e em “com o intento de chamar a atenção” (l. 35), os termos em negrito expressam, respectivamente, idéias de concessão e de modo.
(64) “mas também” (l. 39) e “no entanto” (l. 41) são marcadores de coesão textual que introduzem idéias opostas às assertivas imediatamente anteriores na frase.

Gabarito:



01
02 + 04 + 16 + 32
54
02
01 + 02 + 04 + 08 + 32
47
03
02 + 04 + 08 + 16
30
04
01 + 02 + 16
19

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